Partilho um dos meus mais antigos e traumáticos momentos da minha infância.
Quando tinha 3 anos, havia à venda um pudim, daqueles que se vendem em embalagens do género do iogurte.
Tomei conhecimento desse pudim através de um anúncio de televisão. Nesse anúncio, o pudim tinha pernas e olhos. E mal se abria a tampa, ele dava uns saltos enormes, e os miúdos tinham que andar atrás dele de colher em riste a tentar dar umas colheradas. Mais ou menos como se alimentássemos açúcar a uma bola-pinchona. Eu papei aquela besteira toda que nem um diabético a comer queques. Eu tinha que domar e comer aquele pudim, pois tudo aquilo me pareceu bastante divertido e agradável. Daí que tenha feito o choradinho à minha mãe para mo comprar.
Chegou o dia. A minha mãe comprou uma embalagem de quatro. Diversão a quadruplicar.
Lembro-me de ela me ter perguntado se queria comer logo um, mal ela chegou. Com um tom de descrédito e piedade pela ignorância da minha mãe face ao evento épico que ia ser comer aquele pudim, eu respondi "Pfffft, ó mãe... Isto não se come logo assim, é preciso preparar a cozinha, que aviso-te já, vai ficar uma bagunça".
Eu preparei-me. Na verdade, preparei-me para uma caçada ao Abominável Homem das Neves. Tinha redes, cordas, colheres de todas as formas e feitios, facas de plástico (para dar estilo), óculos de mergulho que eram a cara de um sapo e um funil na cabeça a fazer de capacete. Tinha sonhado com aquele momento, tinha que estar preparado para tudo.
Era o momento. Lembro-me nitidamente de fechar as portas, pegar numa embalagem, pousa-la na mesa à minha frente e respirar fundo. Então, agarrei nele, segurei-o à distância, virei a cara, fechei os olhos e levantei a tampa. E então..
Nada, obviamente.
Olhei com profunda incredulidade para uma massa castanha inerte na sua sepultura de plástico fino. Nada de aventura, nada de pudins de desenho animado aos pinotes, nada de gritos e excitação. Comer aquele pudim era, afinal, tão excitante quanto ver um idoso a dormir.
Experimentei então dar umas pancadas com a colher naquilo, não fosse precisar de reanimação. Agora, além de triste estava todo cagado.
Então, a minha mãe explicou-me que aquilo era só na TV. Na realidade era um pudim normal.
A TV, que era a minha melhor amiga! A TV que me trazia o He-Man e os Transformers! Quanta dor.
Senti-me traído até às 16h, altura em que começava o Brinca Brincando e eu já tinha esquecido todo o evento à 3 horas atrás.
Mas por agora, ainda estava com aquela porcaria na mão, segurando-a com a mesma vontade com que seguraria uma fralda suja e pestilenta. Agora solícita, após seguramente se ter divertido com a minha figura, a minha mãe disse para eu tirar aquilo para um prato e comer.
E então, eu assisti àquela mistela a desmoronar-se a minha frente, assim como os meus sonhos, expectativas e esperança de uma vida normal. Aquilo não só não saltava e fugia, como nem sequer aguentava a forma em cima do prato. Foi como descobrir que o pai de um nosso colega de quem diziam ser um campeão de atletismo, ser afinal tetraplégico.
Fui encorajado a provar e a comer. Pensei eu que ainda teria alguma consolação. Mas não, aquilo era uma porcaria. Ou seria antes, o sabor azedo da vergonha por ter sido um lorpa? Acho que nunca saberei.
Assim aprendi duas das mais duras lições de vida que se podem aprender aos 3 anos de idade:
- A primeira foi que não se deve acreditar em tudo o que se vê ou ouve, mesmo que seja a TV a dizê-lo.
- A segunda foi que o que conta é o que está no interior. E, pelas cuecas do Pai Natal, aquele interior era mesmo atroz.
Reforço que, até às 16h desse mesmo dia, fui um rapazote a quem a vida duramente ensinou umas poucas de lições. E saboreei o triste e amargo sabor, tanto do pudim como da desilusão.