segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Nem à katanada gosto de lá entrar

A minha casa é a figura encarnada da Lei de Lavoisier: Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma.

Aqui em casa é igual. Nada vai para o lixo a não ser que seja mesmo necessário. Assim sendo, acumula-se tudo na cave.
É o único lugar do planeta onde a resposta à pergunta "Onde guardas as bicicletas?" passa por "Entre as armaduras do meu tetra-tetra-tetra-avô e a Arca-da-Aliança".
A quantidade imensurável de caixotes de plástico e cartão que "podem vir a dar jeito" definem as paredes da cave e, por esta altura, já vivem em simbiose com a própria casa. A amálgama de objectos inúteis encaixotados, móveis velhos e lixo, com o passar dos anos, fundiu-se com uma consola de jogos antiquíssima minha. Que apesar de, pela altura em que foi posta de parte, ser apenas uma caixa de plástico preta com botões e com os circuitos totalmente partidos e soltos lá dentro, foi também guardada, porque "um dia ia ser arranjada e eu ainda ia querer jogar nela de novo". Claro. Quem não ia ter saudades da época em que controlava um quadrado, que disparava rectângulos a outros quadrados. O "Guerras Geométricas" como eu lhe chamava.
Dessa fusão entre aquela escória plastificada e todo o resto de porcaria desnecessária, surgiu uma massa disforme e autónoma, que se enraizou nas fundações do edifício e que se diverte a jogar Tetris com os amontoados de caixas que lá são armazenados diariamente. Antes de os ingerir ruidosamente.

Qualquer objecto que se arrume por lá, se não for recuperado nas primeiras 24 horas, fica com as hipóteses de ser reencontrado reduzidas para cerca de apenas 10%.
Ao fim de 48 horas, a enorme massa de entulho mutante que lá habita, lança os seus braços (feitos de caixas e brinquedos antigos de praia) em volta dele e então é o adeus: já foi completamente assimilado pelo monstro.

Daí que eu abomine veementemente, quando me pedem a mim para ir lá abaixo ligar o esquentador.
Primeiro, porque os meus pais estão tão afeiçoados e são de tal maneira diligentes com as relíquias que por lá guardam, que mandaram instalar um scanner de retina à porta da cave. Em minha casa, é mais fácil roubar televisões, leitores de DVD, computadores ou qualquer outro electrodoméstico, do que uma termos de café com 40 anos.
E segundo, porque quem partiu a consola toda, obviamente fui eu, e ela gosta sempre de me cuspir telhas velhas de cada vez que desço ao seu covil.

O entulho mutante alicerçou-se de tal maneira, que quando eu ia a sair para a escola ouvia sempre:

- Diverte-te em Geometria, saco-de-órgãos!

E quando finalmente respondi que não tinha essa disciplina, uma telha saltou do telhado, na minha direcção.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Ajuda-te a ti próprio primeiro...

Mas quem é que me manda armar em bom-samaritano?
Outro dia, na rua, começo a ouvir uns "excuse me, excuse me". Que para quem não sabe, significa "sou como um boi almiscarado e o meu telemóvel é da Nokia".
Menti, significa sim "tenho um couro cabeludo que parece uma couraça ferralítica".
Menti de novo, e esta piada já foi longe demais. Se não sabem o que quer dizer, peço desculpa, mas agora também não tenho tempo para explicar.
Onde é que eu ia? (Como se eu não soubesse, isto é escrito... Bastava ter olhado para cima em vez de me armar em estúpido). Ah sim, já me lembro! (Continuo a armar-me em paspalho).
Portanto, "excuse me, excuse me".
Voltei-me. Era um sujeito nitidamente estrangeiro, pois usava chapéu à cowboy, casaco laranja, e cheirava a pólvora e especiarias. Pensei eu que, sendo o mês Agosto, era um turista que queria pedir informações. Ávido de testar o meu inglês com alguém que o tinha como língua nativa, dediquei-me à causa e fui extremamente solícito:
"Oh yes, dear sir, how may I help you on this fine August day? Need directions? The local Cathedral is nearby, and so are some skanky, dirty prostitutes."*1

Estupidez descomunal. O tipo queria impingir-me um livro qualquer, que era uma espécie de Bíblia de uma seita que nunca ninguém ouviu falar. O gajo era extremamente simpático, e fartou-se de elogiar o meu inglês, que é francamente excelente. Ainda para mais sendo ele americano. Mesmo assim não me estava a convencer, como devem imaginar. Mas ele lá continuava a falar, tentando vender o seu peixe:
"Blá blá blá, we drink blood*2, blá blá blá, raping hamsters with forks*3, blá blá blá, we live on lego houses*4..." etc.
Um discurso que nunca mais terminava, durante o qual, para além disto, ainda referiu que me estava a oferecer o livro e que não queria nada em troca pois que estava a ajudar o pessoal que o produzia. Ah, e que usavam cuecas florescentes do Star Wars.
Este último argumento até me fez duvidar durante uns segundos. Mas, e adivinhando imediatamente, a minha namorada deu-me logo um tabefezito na nuca e eu acordei para a realidade. Além disso, só uso boxers.
Bem, o discurso continuou, insistindo que não queria nada pelo livro. Até o folheou e me explicou porque é que tinha imagens de cangurus a espancar astronautas com broas ou de homens só de galochas a regar vasos.

Quando aquilo chega a pontos em que eu já divagava sobre tomar uma dose fatal de estricnina a ter de o continuar a ouvir, finalmente ele termina e sai-se a pedir uma "small donation"*5. Já estava à espera... Queria insultá-lo, dizendo-lhe que tinha a inteligência de um nenúfar, mas ele provavelmente ia mostrar-me a imagem de um porco usando um como saiote e a fazer balet.
Obviamente que lhe disse que não havia "donations" para ninguém. Então, o tipo tem a audácia de me tirar de novo o livro e ir embora... Para voltar passado 30 segundos e me perguntar:
"Erm... About those prostitutes..."*6
Ao que eu respondi:
"I'll tell where, for a small donation."*7

Que péssimo dia para ter deixado as matracas em casa.


Traduções:

*1: "Sim, caro senhor, como posso ajudá-lo neste excelente dia de Agosto? Precisa de direcções? A Catedral está perto, assim como algumas prostitutas sujas e rançosas".
*2: bebemos sangue.
*3: violando hamsters com garfos.
*4: vivemos em casas feitas de Lego.
*5: pequeno donativo.
*6: "Erm, sobre daquelas prostitutas...".
*7: "Digo-te onde, a troco de um pequeno donativo".

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Pigmentos nacionais era o nome da loja

Gosto de me divertir a imaginar situações ridículas, com personagens patéticas. No outro dia lembrei-me de pôr um completo e assumido racista a trabalhar numa loja de decoração de lares:

Cliente: Boa tarde.
Funcionário Racista: Saudações arianas. Posso ajudá-la de forma nacionalista?
Cliente: Ahh, acho que sim... Mudei de casa, preciso de pintar as divisórias e mobilá-la. Gostava de ver de tudo um pouco. Podemos começar pelas tintas para pintar.
Funcionário Racista: Olhe, pode optar por esta aqui, chama-se Preto-filho-da-puta.
Cliente: ???! Ok... Essa é um bocado escura demais, não tem nada com mais... brilho?
Funcionário Racista: Ah, como a compreendo, a sra. obviamente tem bom-gosto. Também temos este amarelo-peido-à-chinoca, se calhar está mais do seu agrado.
Cliente: Não estou muito satisfeita com a ideia de pintar a minha sala com peido, mas a côr nem é má. Mas não compreendo os nomes das tintas.
Funcionário Racista: É só uma referência minha, para ajudar a distinguir. Essa côr é de deixar os olhos em bico... Isto é só uma piadita que digo sempre...
Cliente: Hilariante, por dentro estou às gargalhadas. Que mais têm?
Funcionário Racista: Bom, temos este vermelho-sangue-de-judeu, o azul-pólvora, que me faz lembrar os meus tempos de limpa-chaminés...
Cliente: Limpa-Chaminés?...
Funcionário Racista: Chaminés era o nome que nós dávamos aos indivíduos negros, e o limpa... Bom, acho que já percebeu. Daí que a pólvora me lembre...
Cliente: Já compreendi. Ouça, e se quiser pintar uma parede de côr diferente, dentro de uma divisória?
Funcionário Racista: Nem pense nisso minha senhora, cada quarto de cada côr! Senão que missogenia! Um quarto assim era um atentado para a nação.
Cliente: Ok, sabe, eu trato disso depois. Mostre-me o que tem de decoração por favor.
Funcionário Racista: Temos aqui esta estatueta que representa o Holocausto. Bons tempos. Como pode ver retrata um nazi a obrigar um judeu a comer brócolos e couve-flor. Um pouco áspero para um estômago mais fraco, mas uma bela obra-de-arte.
Cliente: Eu volto noutra altura.