A minha casa é a figura encarnada da Lei de Lavoisier: Na Natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma.
Aqui em casa é igual. Nada vai para o lixo a não ser que seja mesmo necessário. Assim sendo, acumula-se tudo na cave.
É o único lugar do planeta onde a resposta à pergunta "Onde guardas as bicicletas?" passa por "Entre as armaduras do meu tetra-tetra-tetra-avô e a Arca-da-Aliança".
A quantidade imensurável de caixotes de plástico e cartão que "podem vir a dar jeito" definem as paredes da cave e, por esta altura, já vivem em simbiose com a própria casa. A amálgama de objectos inúteis encaixotados, móveis velhos e lixo, com o passar dos anos, fundiu-se com uma consola de jogos antiquíssima minha. Que apesar de, pela altura em que foi posta de parte, ser apenas uma caixa de plástico preta com botões e com os circuitos totalmente partidos e soltos lá dentro, foi também guardada, porque "um dia ia ser arranjada e eu ainda ia querer jogar nela de novo". Claro. Quem não ia ter saudades da época em que controlava um quadrado, que disparava rectângulos a outros quadrados. O "Guerras Geométricas" como eu lhe chamava.
Dessa fusão entre aquela escória plastificada e todo o resto de porcaria desnecessária, surgiu uma massa disforme e autónoma, que se enraizou nas fundações do edifício e que se diverte a jogar Tetris com os amontoados de caixas que lá são armazenados diariamente. Antes de os ingerir ruidosamente.
Qualquer objecto que se arrume por lá, se não for recuperado nas primeiras 24 horas, fica com as hipóteses de ser reencontrado reduzidas para cerca de apenas 10%.
Ao fim de 48 horas, a enorme massa de entulho mutante que lá habita, lança os seus braços (feitos de caixas e brinquedos antigos de praia) em volta dele e então é o adeus: já foi completamente assimilado pelo monstro.
Daí que eu abomine veementemente, quando me pedem a mim para ir lá abaixo ligar o esquentador.
Primeiro, porque os meus pais estão tão afeiçoados e são de tal maneira diligentes com as relíquias que por lá guardam, que mandaram instalar um scanner de retina à porta da cave. Em minha casa, é mais fácil roubar televisões, leitores de DVD, computadores ou qualquer outro electrodoméstico, do que uma termos de café com 40 anos.
E segundo, porque quem partiu a consola toda, obviamente fui eu, e ela gosta sempre de me cuspir telhas velhas de cada vez que desço ao seu covil.
O entulho mutante alicerçou-se de tal maneira, que quando eu ia a sair para a escola ouvia sempre:
- Diverte-te em Geometria, saco-de-órgãos!
E quando finalmente respondi que não tinha essa disciplina, uma telha saltou do telhado, na minha direcção.
Aqui em casa é igual. Nada vai para o lixo a não ser que seja mesmo necessário. Assim sendo, acumula-se tudo na cave.
É o único lugar do planeta onde a resposta à pergunta "Onde guardas as bicicletas?" passa por "Entre as armaduras do meu tetra-tetra-tetra-avô e a Arca-da-Aliança".
A quantidade imensurável de caixotes de plástico e cartão que "podem vir a dar jeito" definem as paredes da cave e, por esta altura, já vivem em simbiose com a própria casa. A amálgama de objectos inúteis encaixotados, móveis velhos e lixo, com o passar dos anos, fundiu-se com uma consola de jogos antiquíssima minha. Que apesar de, pela altura em que foi posta de parte, ser apenas uma caixa de plástico preta com botões e com os circuitos totalmente partidos e soltos lá dentro, foi também guardada, porque "um dia ia ser arranjada e eu ainda ia querer jogar nela de novo". Claro. Quem não ia ter saudades da época em que controlava um quadrado, que disparava rectângulos a outros quadrados. O "Guerras Geométricas" como eu lhe chamava.
Dessa fusão entre aquela escória plastificada e todo o resto de porcaria desnecessária, surgiu uma massa disforme e autónoma, que se enraizou nas fundações do edifício e que se diverte a jogar Tetris com os amontoados de caixas que lá são armazenados diariamente. Antes de os ingerir ruidosamente.
Qualquer objecto que se arrume por lá, se não for recuperado nas primeiras 24 horas, fica com as hipóteses de ser reencontrado reduzidas para cerca de apenas 10%.
Ao fim de 48 horas, a enorme massa de entulho mutante que lá habita, lança os seus braços (feitos de caixas e brinquedos antigos de praia) em volta dele e então é o adeus: já foi completamente assimilado pelo monstro.
Daí que eu abomine veementemente, quando me pedem a mim para ir lá abaixo ligar o esquentador.
Primeiro, porque os meus pais estão tão afeiçoados e são de tal maneira diligentes com as relíquias que por lá guardam, que mandaram instalar um scanner de retina à porta da cave. Em minha casa, é mais fácil roubar televisões, leitores de DVD, computadores ou qualquer outro electrodoméstico, do que uma termos de café com 40 anos.
E segundo, porque quem partiu a consola toda, obviamente fui eu, e ela gosta sempre de me cuspir telhas velhas de cada vez que desço ao seu covil.
O entulho mutante alicerçou-se de tal maneira, que quando eu ia a sair para a escola ouvia sempre:
- Diverte-te em Geometria, saco-de-órgãos!
E quando finalmente respondi que não tinha essa disciplina, uma telha saltou do telhado, na minha direcção.